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RETROCESSO: RÁDIO FM DO RIO DE JANEIRO REPETE SALVADOR DE 1990

Escrito em 5 de junho de 2009 por Alexandre Figueiredo.

Lamentável a situação do rádio carioca, que se transformou num cassino empresarial, no que se refere aos bastidores, e numa arena de usurpadores da opinião pública e da cidadania, no que se refere à programação. Nos últimos anos, a segmentação das FMs e a diversidade das AMs já foram de alguma forma empasteladas ou banidas, mas não iam longe demais como vemos hoje, com o rádio carioca praticamente refém dos ricos empresários da "mídia gorda" e "mídia fofa" paulistas. "Mídia gorda" é um termo criado por Milton Severiano, da revista Caros Amigos, para definir a mídia abertamente reacionária, como a Veja e as Organizações Globo (que incluem a Rede CBN). "Mídia fofa", ou "mídia gordinha", é um termo que eu criei para complementar o sentido da outra expressão e relacionar, nessa segunda definição, os veículos da mídia conservadora que não são abertamente reacionários, como o Grupo Bandeirantes de Comunicação.

Aliás, há exatos 25 anos, a revista Veja, já exalando um caráter conservador que sepultou de vez o antigo caráter relativamente combativo da publicação (que era uma irmã mais comportada da revista Realidade), publicou um texto chamado "Revolução das FMs", exaltando a Aemização das FMs como meio de "aposentar" a Amplitude Modulada. A tese era defendida por um empresário do Grupo Estadão (conservador), falecido em 2001, quando começaram a multiplicar os "programas AM em FM" no Brasil, com apoio mais que explícito de Fernando Henrique Cardoso e Antônio Carlos Magalhães.

Apesar de evocar expressões lindas como "liberdade de opinião", "direito à informação", "democracia", "cidadania", "prestação de serviço" e "comunicação à comunidade" (como se grandes broadcasts brasileiros pudessem substituir as rádios comunitárias, o que é um absurdo), a Aemização das FMs sempre teve um histórico conservador. Sua origem remete aos redutos coronelistas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do interior paulista e paranaense e de capitais nordestinas com perfil urbano atrasado, quando as primeiras emissoras FM reproduziam, de forma caricata e tendenciosa, o mesmo perfil de programação das emissoras AM. Isso já na virada dos anos 60 para os 70, em plena vigência do AI-5, como um meio dos latifundiários desviarem a atenção do povo às revoltas de agricultores e operários contra a ditadura militar e os poderios regionais dominantes.

Na década de 80, um passo decisivo para a Aemização das FMs e para a influência, no rádio FM, da aliança entre as aristocracias rurais, as elites urbanas liberais do Brasil e os representantes das empresas multinacionais foi a política de concessões promovida pelo então presidente da República, José Sarney, e seu ministro das Comunicações, o baiano Antônio Carlos Magalhães. Essa concessão significou presentear rádios e TVs para políticos e empresários "independentes" ou "idôneos" ("idôneo" é palavra preferida do vocabulário demagógico nacional) que apoiassem os dois políticos, eles mesmos integrantes de poderosas oligarquias respectivamente no Maranhão e Bahia. Eles próprios foram presenteados pela farra de concessões, pois aumentaram seu poder drasticamente através do braço midiático.

Seja no âmbito nacional, seja no âmbito regional, a "festa concessionária" de Sarney e ACM rendeu efeitos devastadores na mídia brasileira. Alguns desses efeitos:

1. Expandiu a música brega-popularesca (ou Música de Cabresto Brasileira), a suposta "música popular" representada tanto por ídolos bregas originais como Waldick Soriano quanto pelo neo-brega simbolizado por FMs cariocas como O Dia, Beat 98, Nativa e Mania FM (breganejo, axé, "funk", pagode meloso, pagode pornô, forró-brega etc.). Para piorar, essa música neo-brega ameaça a sobrevida da MPB autêntica a ponto de transformar até alguns medalhões da MPB em cúmplices (Caetano Veloso e Gilberto Gil) ou reféns (Zé Ramalho, Nando Reis, Renato Teixeira, Chico Buarque, Djavan) do império brega-popularesco de Alexandre Pires, Chitãozinho & Xororó, Ivete Sangalo, Banda Calypso, DJ Marlboro, Exaltasamba, Psirico e outros.

2. Deu poder aos grupos de redes que dizimaram, em primeira instância, as programações de rádios regionais, para só depois, diante de muita pressão das faculdades de comunicação e dos sindicatos de radialistas e jornalistas, criarem "programações regionais" não com o pessoal demitido, mas por gente apadrinhada, diplomada ou não, mas que atende aos interesses dos grandes donos de redes de rádios.

3. Deu poder aos grupos políticos regionais, a princípio compostos por deputados estaduais e federais e senadores que controlavam emissoras de rádio, sobretudo FM. Mas, com os protestos das faculdades de comunicação e dos sindicatos de radialistas e jornalistas, os políticos tiveram que optar por duas "soluções" (dentro dos princípios "clássicos" do jeitinho brasileiro): ou deixavam de ser donos de rádio e arrumavam "laranjas" para controlar as rádios, ou deixavam a vida político-partidária e viravam dublês de radialistas, literalmente brincando de radiojornalismo como pseudo-âncoras, tendo poder (delegado por eles mesmos) para opinar sobretudo o que não sabem, enganando até alguns intelectuais.

4. Inaugurou o capitalismo selvagem no rádio brasileiro, quando as FMs, a pretexto do "livre direito de informação e prestação de serviço", passar uma rasteira nas AMs menores que, com a concorrência desleal promovida pela transmissão ou retransmissão de "programação AM" pelas FMs, mal conseguem manter suas tão sofridas finanças.

Pior: o rádio AM, discriminado pelo poder político e econômico, não consegue se expandir, tendo parado no tempo. O que é mais grave, quem congelou o rádio AM foi a ditadura militar, pois a expansão de emissoras praticamente se restringiu ao eixo Rio-São Paulo, já que as demais capitais, não obstante, contam apenas com 10 emissoras AM ou até menos, que concorrem, no mesmo nicho de programação radiofônica, com uma média de 4 a 5 FMs em cada região.

Salvador: AeMização e politicagem estragaram segmentação

O editor deste Tributo, Marcelo Delfino, já alertou sobre a expansão da Aemização, parcial ou total, das FMs cariocas, na região que até agora é a derradeira trincheira do rádio AM brasileiro.

Pois o quadro já teve similar em Salvador, Bahia, cidade que em 1990 já adiantou vários casos de retrocesso radiofônico que os cariocas conhecem a partir dos últimos 15 anos. Se a Rádio Cidade transformou o radialismo rock numa grande palhaçada de mau gosto, entre 1995 e 2006, em Salvador a Rádio Aratu, vulgo 96 FM (atual Rede Aleluia), havia feito o mesmo entre final de 1989 e meados de 1993.

Em 1990, a influência política de Antônio Carlos Magalhães transformou a FM soteropolitana num ninho de programetes, geralmente transmitidos durante o café da manhã ou o almoço para ludibriar as massas em plenas refeições, que eram chamados "programas de locutor". Neles, criava-se um arremedo de radiojornalismo, em forte apelo populista, cujo apresentador exercia um poder paralelo de "sub-prefeito", atribuindo para si um poder que a lei reserva às autoridades municipais.

Naquela época, marcada pela politicagem do presidente Fernando Collor no plano nacional, já se despontaram alguns dos "coronéis" radiofônicos, ambos na ativa até hoje: Mário Kertèsz (ex-prefeito de Salvador marcado pela corrupção política), Cristóvão Ferreira (já falecido, mas com o mesmo poder hoje exercido por Cristóvão Ferreira Jr., o Cristovinho), Pedro Irujo (espanhol que mal fala o português e cujo poderio já foi noticiado por O Globo e recentemente pelo Jornal do Brasil) e Marcos Medrado (populista de direita atuante no subúrbio ferroviário de Salvador e ligado ao jogo-do-bicho local). Junto a eles, franquias da Rádio Bandeirantes (depois Band FM e Band News Salvador) e da Rede Transamérica também atuam na Aemização das FMs soteropolitanas. A Transamérica chegou até a empregar um imitador do Gil Gomes, chamado Estácio Alvarenga, que depois foi trabalhar no interior baiano.

A segmentação das FMs de Salvador foi prejudicada tanto pela pressão do Aemão e pela hegemonia da axé-music baiana e do restante do brega-popularesco nacional. Além dos "programas de locutor", jornadas esportivas são transmitidas por essas FMs, com o claro patrocínio de dirigentes esportivos. Locutores tentam desmentir seu envolvimento com políticos, muitas vezes fazendo ameaças a quem denunciou.

Por outro lado, Salvador só tem 8 emissoras AM, e destas, somente a Rádio Sociedade e Rádio Excelsior vingam no mercado, sendo que só a Sociedade tem audiência mais ostensiva (a Excelsior é mais ouvida nos domicílios). A terceira AM mais ouvida, a Rádio Cultura, sofre com a concorrência desleal das FMs. No geral, das 8 AMs soteropolitanas (seriam 9, se não fosse o misterioso desaparecimento do dial da Rádio Metropolitana de Camaçari, da Região Metropolitana de Salvador), metade delas só transmite programação religiosa (a Sociedade é da Igreja Universal, mas sua orientação se assemelha à da Rede Record).

Salvador nunca teve rádio de rock autêntica. Nunca teve rádio totalmente de música clássica nem de música sofisticada da linha "jazz, blues, MPB e soft rock". De pop adulto, chegou a ter a Antena 1, que o mercado mafioso do rádio baiano e o quadro político opressor sufocou. E a única rádio de MPB que possui, a Nova Brasil FM, mal dá pro gasto, e Marcelo Delfino já apelidou a rádio de "Jovem Pan com violão". A própria Nova ameaçou sucumbir ao Aemão, se não fosse o escândalo envolvendo o locutor esportivo Jorge Kajuru até o repertório MPB seria esmagado por mesas redondas e transmissões esportivas (hoje o maior mercado jabazeiro em andamento no país).

Chega a ser insuportável ouvir FM em Salvador, quando a maioria das emissoras, com esses "programas de locutor" e "jornadas esportivas", praticamente transformam a Frequência Modulada numa sucursal regional do programa chapa-branca "A Voz do Brasil" ou, quando muito, dissidências neoliberais que apelido de "Voz do Brasil do B". Mais da metade das FMs soteropolitanas, de manhã, só passam falatório e a programação musical só se salva em pouquíssimas emissoras que, diante do império da mesmice, se comportam como corações de mãe, absorvendo até tendências divergentes, quando poderiam se especializar apenas em algumas delas. A Educadora FM é símbolo disso, juntando, no mesmo balaio, nomes como Radiohead, Nelson Freire, João Gilberto, Satn Getz e Martinho da Vila. A própria 96 FM era uma mistura esquizofrênica de rádio de rock com o formato rádio pop lançado em 1977 pela Rádio Cidade do Rio de Janeiro.

A Globo FM é, pasmem, a única rádio pop 'full time' de Salvador, apesar da pose de "rádio adulta", porque a outra rádio pop, a Transamérica, possui horários "Aemão" em sua programação, inclusive as (péssimas) transmissões esportivas que misturam linguagem de TV aberta com o péssimo som de AM setentista das narrações.

Entre 1992 e 1998, reações indignadas de ouvintes quase acabaram com a Aemização das FMs em Salvador, derrubando a audiência de cada programa criado ou transmitido, e influindo na devolução de locutores esportivos para o rádio AM, que, pelo preço da exposição na Frequência Modulada, não conseguiam recuperar a velha grande audiência nas AMs. Junto a isso, quase o "prestígio" de nomes como Pedro Irujo, Marcos Medrado e Mário Kertèsz quase foi para o ralo, principalmente contra este último, cujas denúncias de corrupção política foram investigadas pelo jornalista baiano Fernando Conceição (doutor pela USP e respeitado por intelectuais como Milton Santos e Thomas Skidmore), desde a corrupção política de Kertèsz como prefeito de Salvador (cujo desvio de verbas públicas deu origem ao seu atual patrimônio midiático) e como interventor (nomeado por Antônio Carlos Magalhães) do Jornal da Bahia, famoso por ter desafiado o poder político de ACM. Kertèsz deu o golpe mortal no Jornal da Bahia (cuja equipe fundadora incluiu João Ubaldo Ribeiro e o depois cineasta Glauber Rocha), transformando-o num jornal policialesco nos moldes do Notícias Populares.

Mas a nova aliança do poderio político-midiático com Fernando Henrique Cardoso - que incluiu dispensar a obrigatoriedade da transmissão do programa "A Voz do Brasil" para rádios que apoiassem o governo FHC - deu nova chance à Aemização das FMs, tendo também o mesmo apoio de ACM, aliado ao governo federal de então. Com isso, ascendeu-se, na Bahia, a Rádio Metrópole FM de Salvador (renomeação da antiga Rádio Cidade soteropolitana), cuja programação, que equivale a uma emissora AM de último escalão, conseguiu enganar intelectuais, autoridades e cidadãos, incluindo até gente de esquerda, que se iludiu com a aparente diversidade de entrevistados nos programas da rádio e no arremedo supostamente jornalístico de Mário Kertèsz e equipe, pois o empresário e ex-prefeito virou dublê de radiojornalista, cuja projeção serviu de modelo para outras FMs soteropolitanas, que relançaram o Aemão com todo o fisiologismo que se achavam com direito.

O fim da Era FHC, infelizmente, não representou o fim da Aemização das FMs, pois o fisiologismo político do PMDB e da ala mensaleira do PT só fizeram agravar as coisas, com rádios "ounius" montadas sob o apoio do PSDB e "rádios AM em FM" em geral patrocinadas pelo DEM, PP, PMDB e até PT.

Como se vê, na Aemização das FMs, será mais jabá, mais política, e muito menos cidadania a cada dia. Apesar dos donos, astros e simpatizantes (sobretudo os saltitantes Fanáticos Modulados alfabetizados pelas emissoras de TV aberta) insistirem em dizer o contrário.

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