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UM CASAL SATÂNICO

Escrito em 13 de junho de 2005 por Cesar Maia.

Uma leitura interessante para acompanhar a conjuntura política atual é o capítulo sete do livro “Pensar a comunicação”, do professor e sociólogo francês Dominique Wolton —- diretor do Laboratório de Comunicação e Política do Centro Nacional de Investigações Científicas da França — publicado pela UnB. O título é sugestivo: “Triângulo infernal: jornalistas, políticos e opinião pública”.

Wolton ensina que, hoje, a política tem uma estreita margem de manobra num mundo, ao mesmo tempo, burocratizado e globalizado. O triângulo entre poder, comunicação e opinião teria mudado seu vértice superior: antes, o poder, e, agora, a mídia. Neste quadro, a mídia, por sua lógica, obrigaria os homens públicos (HP) a darem respostas rápidas a fatos que não podem ser respondidos com a velocidade que se exige. Isso geraria um clima de descrédito e a impressão de que os HPs nada têm a propor.

Com isso, vive-se numa contradição: a mídia é necessária para valorizar a ação dos HPs, mas a exposição da escassez de margem de manobra desgasta quem expõe. Então, produz-se um círculo vicioso: os comentaristas imaginam significações e estratégias, e questionam a capacidade de ação dos HPs. Estes correm à mídia para desmentir e afirmar. E assim por diante.

A pressão das informações desestabiliza os atores políticos. A predominância nestes de elementos simbólicos termina por prejudicar sua própria capacidade de ação. Produz-se um mal-estar, percebido pelo cidadão, que é a defasagem entre a rapidez da informação e a lentidão da ação. Esta situação termina por desestabilizar as expectativas dos próprios cidadãos.

Neste jogo, segundo Wolton, entra um outro fator consorte: as pesquisas, que intensificam esta desestabilização. Os HPs são cercados por “barômetros”, cotas de popularidade e são sedados por números. Sem condições de olhar a longo prazo, a agenda dos HPs visa a compensar os efeitos desfavoráveis destes “barômetros” por meio das mídias e aceita que estas sejam árbitro de suas relações com os cidadãos. O recurso passa a ser confiar cegamente nos especialistas em comunicação, que terminam por multiplicar as operações de mídia.

Wolton alerta que o capital político raramente é recuperado apenas por meio de operações de comunicação. Estando em um território que não é o seu, os HPs perdem a alteridade, que lhes é indispensável. Os atores políticos são sempre — ou quase sempre — os perdedores neste jogo de hipermidiatização.

Curiosamente, segundo o autor, os jornalistas não reconhecem a inversão deste jogo a seu favor. Ele lembra que apenas o núcleo superior das mídias tem os instrumentos e as informações necessárias. E que a base — a ampla maioria — vive de julgamentos rápidos e... definitivos. Os fatos em que a cobertura se equivoca são rapidamente esquecidos e se passa com enorme rapidez de um fato a outro. E isso não é visto como defeito.

Segundo o professor Dominique Wolton, a nomenclatura dos jornalistas tem muito menos poder do que imagina em relação à grande maioria da sociedade, mas tem muito poder em relação às elites e aos HPs. Mesmo que esta parcela seja pequena, é ela que está perto do poder. Da mesma forma, o jogo das pesquisas, pois a onipresença delas acentua a cultura do instantâneo e reduz as distâncias, afetando a crítica. Tudo é imediato e cria a ilusão de transparência.

Mídia + pesquisas amplificam o curto prazo. E a política precisa de perspectiva. Ocorre uma falsa tecnocratização da percepção, através de pesquisas e indicadores, e isto afeta a dinâmica democrática. A opinião das elites se auto-intoxica neste processo. Quando há crises, a mídia as amplia pela repetição. Isso afeta a percepção sobre a capacidade e a autoridade dos HPs e a própria legitimidade política. E, se durar muito, pode desestabilizar os governos.

A mídia acentua o susto geral pela impaciência e dramatização das informações, que reforçam o enfraquecimento e a legitimidade dos HPs. A mídia, então, quer ser o mediador das crises, quer fazer o diálogo ao vivo. O sonho dos jornalistas é transformar os estúdios em locais das negociações. Negociar ao vivo sob o olhar de todos. É a mídia-diplomacia, a mídia-negociação que passa a idéia errônea de que os atores — de forma transparente — se entenderiam melhor ao vivo.

Finalmente, Wolton fala das portas de saída. Diz que os HPs devem diminuir a pressão do acontecimento, que pesa sobre ele pela mídia e pelas pesquisas. O papel deles não é gerir a comunicação, mas agir sobre a realidade. Os HPs devem recusar-se a correr de programa em programa explicando-se, precisam estar perto do cidadão, fazendo a comunicação de proximidade e apostando na inteligência crítica das pessoas.

O sociólogo conclui falando das três dificuldades da política hoje: 1) amplia-se a esfera da política e reduz-se a margem da ação; 2) aumenta a visibilidade da política, mas inverte-se a relação de forças com a mídia; 3) as pessoas são cada vez mais potencialmente aguerridas, mas não dispõem de meios para se expressar, elas são audiência.

Wolton destaca, ainda, que não existe o mau jornalista e o bom político ou vice-versa. Eles formam — no sentido do capítulo citado — o que ele chama de casal satânico. E lembra: este jogo, quando questionado, é denunciado como restrições à liberdade de imprensa.

Vale a pena ler.

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